De passagem pelo consulado brasileiro em Milão por causa de um passaporte roubado, eu aguardava na sala de espera enquanto minha prima era atendida na triagem e depois em entrevista com o diplomata que resolveria o problema. Impedida de planejar qualquer atitude ou horário – a única coisa que sabia era que o expediente terminaria às 14 horas – fiquei observando o vai e vem das pessoas nesse território brasileiro na Itália.
Casais com crianças, sem crianças, homens e mulheres sozinhos, de idades variadas, nenhum idoso. Chamavam a atenção as várias moças com longos cabelos claros e porte de passarela, calçando sapatos de saltos altíssimos e vestidas de preto como convém ao outono milanês, que circulavam com muita naturalidade pelos diversos espaços.
Uma das mulheres jovens, vestida com simplicidade, sentou-se ao meu lado e, confessando o desejo de ouvir e falar português, disparou a contar que mora em uma das cidades do entorno de Milão, mais próxima ainda das montanhas, onde vive com o marido e os sogros, está aprendendo a falar e a viver em italiano e onde o frio já provoca sérias dores em seus joelhos.
Marly volta da entrevista e as três fazemos as apresentações. Ela se chama Antonia, nascida em Guarulhos, SP. Trocamos informações sobre os serviços do consulado que estamos aguardando. Contamos detalhes do passaporte furtado em Turim e ela mostra o maço de documentos que traz numa pasta plástica para obter o registro da sua certidão de casamento na Itália. E a conversa vai além: como conheceu seu marido? Pela Internet, ela responde, o que aguça nossa curiosidade.
Antonia é chamada pelo atendente da triagem e ela nos deixa sem continuação. Em cinco minutos volta e diz que vai até a rua, pois foi informada de mais demora e não sabe se o marido está disposto a esperá-la ou se terá que voltar no dia seguinte para concluir o registro. Ficamos as duas às voltas com uma informação pela metade, já que nenhuma experiência temos de relacionamentos via digital.
Já estamos com pena da moça. Ela ainda não fala italiano e já não fala português. Está no meio do caminho, sofre as conseqüências do frio dos Alpes e vive com a sogra. Todo descendente de italianos sabe como é forte a presença de uma sogra, que se defende dizendo que é mamma, que quer sempre o melhor para o seu bambino! E a nora tem que ser portadora do maior amor do mundo e desenvolver o mais alto grau de paciência e tolerância para conseguir levar seu casamento adiante. Sabemos as duas quanto nossas mães tiveram que agüentar da nonna.
Ela retorna, dizendo que o marido preferiu esperar para resolver tudo naquele dia. Então minha prima foi direta na pergunta chave: como foi conhecer sua sogra e como é viver em sua companhia? Antonia nos conta, então, a trajetória do seu encontro com o marido em um site de relacionamento na Internet há dois anos. Depois de seis meses conversando pelo computador, ele a convidou a ir à Itália para conhecer seus pais e irmãos. Ela foi, passou quatro semanas com eles e voltou para Guarulhos. No ano seguinte foi a vez dele viajar para conhecer sua família, com quem passou também algumas semanas. E finalmente planejaram o casamento na sua cidade italiana onde moram com a família de origem dele, enquanto ela deixou a sua para trás junto com o inacabado curso superior de radiologia médica. Agora tem autorização para falar com a família brasileira pelo Skype uma vez por semana.
Não houve tempo para conhecermos mais detalhes desse romance moderno, em que as cartas e telegramas foram substituídos pelas palavras e imagens do ambiente cibernético. Era fundamental conseguirmos concluir o processo da autorização para continuar a viagem, que implicou em correr à estação do metrô onde havia uma cabina de fotos automáticas, enquanto Antonia obtinha o registro na sua certidão de casamento, ia embora com o marido, e o consulado encerrava o expediente daquele dia.
Fevereiro, 2011.
Fevereiro, 2011.
*texto escrito pela querida Dalva Bolognini, membro do nosso Convívio, após sua viagem à Itália em novembro de 2010.
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