domingo, 7 de agosto de 2011

Precisamos mobilizar-nos para denunciar a apatia dos governos

Neste momento, um êxodo incessante de milhares de somalianos castigados pela fome e pela seca, está atravessando a fronteira com o Quênia. Milhares de crianças morrem ao longo do trajeto. Nos três campos de refugiados de Ifo, Hagadera e Dagahaley faltam comida e água para aliviar o sofrimento de quase meio milhão de pessoas. As Nações Unidas não conseguem financiar uma intervenção de emergência, pois a comunidade internacional não está respondendo com rapidez e com meios adequados.

As mudanças climáticas, causadas principalmente pelos países industrializados e pelas escolhas perversas de desmatamento, afetam com violência impiedosa esta parte do continente africano. Pergunto-me se não seria uma causa justa para mobilizar a nossa Europa com uma missão de paz. Há meses reagimos às crueldades do déspota Kadafi com bombardeios caríssimos e de êxito ainda incerto. Defendemos com os nossos exércitos “de paz” diversas áreas do mundo para garantir a democracia, enquanto todas as grandes potências reunidas não conseguem matar a fome de um povo indefeso, dócil, resignado à morte pela fome. Quem responde à violência de uma Natureza lesada, é sempre e unicamente o mundo de almas nobres: organizações humanitárias, missionários, cooperadores e algum comissariado das Nações Unidas, que imploram por solidariedade, migalhas de pão.

Os efeitos da mudança climática sobre a agricultura serão cada vez mais devastadores para a África subsaariana, que hoje já tem mais de 300 milhões de desnutridos numa população de 800 milhões de pessoas. Mérito ao povo queniano que, embora também seja vítima desta grave seca, está recebendo meio milhões de migrantes com a dignidade própria dos pobres: representantes dos campos de refugiados estão solicitando através de megafones, que a comida seja compartilhada com os recém-chegados. É esta a frente que precisamos defender para o nosso futuro, para a nossa democracia. Uma frente que não se defende com armas, mas com um novo exército de mulheres e homens convictos de que a morte pela fome pode ser derrotada. Não era um sonhador, o ex-presidente da Itália, Sandro Pertini, ao escolher celeiros, em vez de arsenais. Ele, que no momento certo, também usou armas.

Me faz rir a atitude dos que pretendem deter o fluxo de imigrantes africanos: com uma política de indiferença diante de condições de vida desumanas e de total ausência perante emergências humanitárias como esta, o fluxo só pode aumentar. A verdadeira pergunta que se deve fazer com urgência a nós mesmos e à política é se o direito ao alimento é ou não é um direito inalienável de toda a comunidade mundial. Porque se for um direito de todos, precisamos então trabalhar para que haja uma mobilização sem precedentes, capaz de desmascarar a apatia dos Governos.

A FAO disse que seriam precisos 37 bilhões de dólares por ano para reduzir drasticamente os mortos pela fome: números sem importância! Entretanto, o Presidente Lula – com o projeto “Fome Zero” - conseguiu praticamente derrotar a mortalidade por malnutrição no Brasil. A verdade é que na Terra há alimentos para todos. É o sistema alimentar dominante que é profundamente injusto, que penaliza os mais pobres, que depreda os recursos naturais e que para a demanda cada vez maior de malnutridos, propõe apenas aumentar, cada vez mais, a produção. Incentivar produção e desperdício: são palavras de ordem.

Os conflitos dos próximos anos serão causados pela aquisição de recursos hídricos e de terrenos férteis. Mais do que nunca, a luta para derrotar a fome tem prioridade sobre todas as outras. Devemos esperar que os governos dos países ocidentais tenham um arroubo de dignidade, mantenham os compromissos assumidos em nível internacional e que respondam rapidamente ao apelo desta emergência no Chifre da África.

Carlo Petrini
Presidente do Slow Food Internacional

Texto publicado no editorial da Newsletter de julho e agosto de 2011 da rede Slow Food/Terra Madre

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