domingo, 1 de maio de 2011

Em defesa da refeição

"O fato de alguém ter necessidade de armar uma defesa da refeição é triste, mas tampouco teria me ocorrido que a comida precisasse de defesa. A maioria dos leitores há de se recordar das vantagens de comer uma refeição sem precisar que eu insista  muito nisso. É à mesa de jantar que socializamos e civilizamos nossos filhos, ensinando-lhes bons modos e a ar te da conversação. À mesa de jantar, os pais podem determinar o tamanho das porções, dar o exemplo de como se come e como se bebe e impor normas sociais sobre gula e desperdício. As refeições compartilhadas  são muito mais que abastecimento de corpos; são instituições singularmente humanas nas quais nossa espécie desenvolveu a linguagem e isso que chamamos de cultura. Preciso continuar?

Tudo isso é tão bem compreendido que quando os pesquisadores perguntam aos americanos se eles jantam em família na maioria das noites a resposta é um retumbante sim - e uma retumbante mentira. De fato, a maioria das famílias  americanas hoje diz jantar em família três ou quatro noites por semana, mas mesmo essas refeições têm apenas uma semelhança mínima com o ideal de Normal Rockwell. Caso seja instalada uma câmera no teto das cozinhas e das salas de jantar das famílias americanas típicas, como os especialistas em marketing das maiores companhias de produtos alimentício já fizeram, rapidamente se descobrirá que a realidade do jantar em família diverge substancialmente da imagem que temos. A mãe talvez ainda cozinhe algo para ela e sente à mesa um pouquinho, mas estará sozinha a maior parte do tempo. Isso porque o pai e cada um dos filhos preparam um prato completamente diferente para si, "preparar" nesse caso sendo sinônimo de esquentar um prato pronto no microondas. Cada membro da família pode, então, se unir à mãe à mesa pelo tempo utilizado para comer,  mas não necessariamente todos ao mesmo tempo. Tecnicamente, esse tipo de alimentação conta como jantar em família nos resultados das pesquisas, embora seja difícil acreditar que exerça  todas as funções costumeiras de uma refeição compartilhada. A Kraft e a General Mills, por exemplo, agora estão determinando o tamanho das porções, não a mãe, e o valor social de compartilhar o alimento está perdido. O processo é muito mais parecido com uma refeição em restaurante, onde todo mundo pede o próprio prato. (Embora o serviço não seja tão bom, porque os pratos não chegam ao mesmo tempo.) Naturalmente, as pessoas tendem a comer mais quando conseguem exatamente o que desejam - que é exatamente o motivo pelo qual as grandes empresas de produtos alimentícios aprovam essa refeição familiar moderna e fazem tudo o que estiver em seu considerável poder para estimular isso. Assim, vendem diferentes tipos de pratos para cada membro da família (poucos carboidratos para o adolescente que faz regime, pouco colesterol para o pai, muita gordura para o menino de 8 anos e assim por diante)  , e elaboram esses "substitutos de refeições caseiras", como são conhecidos no ramo, de modo que mesmo a criança de 8 anos pode aquecê-las no microondas com segurança."

trencho de Em defesa da comida, de Michael Pollan. p.204-5

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